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Os critérios para fixação dos danos morais - Parte II - Critérios Objetivos

Os critérios relacionados a seguir são fruto de uma seleção prévia que teve por objetivo analisar apenas aqueles mais freqüentemente mencionados nos Tribunais e na doutrina. Os parâmetros foram classificados em dois grupos: Subjetivos e Objetivos. Neste artigo há menção apenas dos critérios objetivos.

1. Critérios Objetivos

1.1 - Reincidência da Conduta Geradora do Dano

A reincidência da conduta geradora do dano é um dos critérios mais relevantes na fixação do montante indenizatório. É objetivo, pois, após alguma pesquisa jurisprudencial, ou por meio da apuração da quantidade de reclamações no Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (PROCON), ou ainda nas notícias veiculadas na imprensa, pode-se verificar o número de vezes em que aquele tipo de evento danoso ocorreu em circunstâncias semelhantes com outras vítimas, tendo como responsável o mesmo agente.

A prova da reincidência serve para demonstrar que o agente lesante deixou de tomar as providências necessárias para evitar a repetição do dano. Essa displicência do agente lesante faz com que a função punitiva e a função dissuasora analisadas no primeiro artigo assumam especial relevância, a fim de fazer cessar a ocorrência dos mesmos danos à esfera personalíssima de outras possíveis vítimas.

No entendimento de Rizzatto Nunes:

Ora, na fixação da indenização deve-se levar em conta essas repetições para que se encontre um valor capaz de pôr freio nos eventos danosos. Caso contrário, quando se tratar de empresas de porte que oferecem seus produtos e serviços a milhões de consumidores, tais indenizações acabam inexoravelmente incorporadas ao custo e, conseqüentemente, remetidas ao preço. [1]

Antônio Jeová Santos, igualmente, afirma:

[...] se existe recidiva naquela conduta, como, por exemplo, instituições financeiras que, alheias aos prejuízos causados a terceiros, insistem em encaminhar títulos de crédito a Cartório de Protesto mesmo quando exista pagamento, o valor da indenização deverá ser aumentado. [2]

A persistência do agente lesante em não tomar as providências necessárias para evitar a ocorrência de danos demonstra que o resultado é previsível, todavia, nada é feito para evitá-lo. Em uma analogia com o direito penal, trata-se da hipótese de dolo eventual. O agente assume as conseqüências do seu ato ou omissão, ciente de que o dano pode ocorrer e prejudicar outrem. O dever moral expresso pelo princípio neminem laedere é simplesmente ignorado, pois, mesmo sendo eventualmente processado e condenado, o agente lesante considera que prejuízo da condenação não é relevante para que mude de orientação.

Acerca do dolo eventual, o professor Damásio E. De Jesus ensina:

Ocorre dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois, se assim fosse, haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza. (grifo nosso) [3]

Há situações, principalmente no direito do consumidor, em que há dolo direto em causar dano, pois o agente lesante tem plena consciência da repercussão de sua conduta ao mesmo tempo que se satisfaz em obter lucro com a prática do evento danoso. Ainda segundo Damásio:

Se o sujeito mentaliza o evento e pensa “para mim é indiferente que ocorra, tanto faz, dane-se a vítima, pouco me importa que morra”, não é necessário socorrer-se da forma eventual. Se essa atitude subjetiva passa pela mente do sujeito durante a realização da conduta, trata-se de dolo direto, uma vez que a previsão e o acrescido consentimento concreto, claro e atual, não se tratando de simples indiferença ao bem jurídico, equivalem ao querer direto.(grifo nosso) [4]

Rizzatto Nunes ilustra esse tipo de situação com um exemplo interessante:

[...] uma indústria produz e vende certo medicamento. Por falha na composição do remédio, este causa dano aos consumidores. Digamos que a tal “falha” seja a substituição de um produto, que era utilizado na composição original comprovadamente eficaz, por outro que não tem ainda prova de eficiência e que a substituição se deu porque o primeiro ingrediente era mais caro que o segundo. Isto é, aquela indústria farmacêutica produziu medicamento inadequado apenas por obter economia de custo.

Esse aspecto caracteriza, no mínimo, culpa e, dependendo da apuração do evento da tomada de decisão para troca do componente, dolo. A indenização deve, então, ser elevada. (grifo nosso) [5]

Em hipóteses semelhantes à do exemplo acima, a reprovabilidade da conduta é maior, e esse fato implica na necessidade de fixar um valor indenizatório suficiente para cumprir com a tríplice função do dano extrapatrimonial.

Somente uma condenação pecuniária expressiva servirá de punição e diminuirá o ânimo do agente lesante em causar dano. É o prejuízo financeiro em decorrência da condenação judicial que transformará a prática reiterada da empresa lesante em procedimentos que respeitam os direitos da personalidade dos consumidores.

1.2 - Capacidade Econômica do Agente Lesante

Esse critério consiste na avaliação econômica do agente causador do dano, com a finalidade de apurar qual o valor indenizatório que servirá para cumprir com as funções punitiva e dissuasora. Se o montante fixado for irrisório frente à capacidade econômica do agente lesante, por certo não haverá punição nem desestímulo da conduta.

A análise desse critério é objetiva, pois a vítima pode produzir provas ao longo da ação que demonstrem a grande capacidade econômica do agente. Tratando-se de empresa de grande porte, pode-se demonstrar o seu patrimônio líquido e a rentabilidade anual mediante a análise de índices e “rankings” de institutos reconhecidos, tais como Departamento Intersindical de Estatística e Estudos (DIEESE), Fundação Getúlio Vargas (FGV), dentre outros.

Na ausência desses índices, o contrato social da empresa, ou a declaração do imposto de renda da pessoa física que praticou o ilícito também pode servir de norte para avaliar a capacidade econômica. Vale ressaltar que o magistrado é o principal interessado nessa avaliação, pois cabe a ele fixar o valor indenizatório na sentença. Tendo em vista a previsão do art. 130[6] do Código de Processo Civil, o magistrado, de ofício, tem o poder e o dever de determinar a apresentação de provas ou documentos capazes de revelar a capacidade econômica do agente lesante, para assim obter maiores subsídios para avaliação do montante da condenação.

Na aplicação da função compensatória, em princípio, não há necessidade da avaliação da capacidade econômica do lesante, pois o quantum indenizatório deverá, no mínimo, cumprir com o propósito de aplacar a dor sentida pela vítima, ou, mais propriamente, substituir a dor pelo acréscimo de um valor monetário, capaz de proporcionar outro tipo de satisfação. Portanto, independentemente da situação financeira do agente lesante, o valor indenizatório deve cumprir sempre com a função compensatória.

É no momento de aplicar a função punitiva e dissuasora que a análise da capacidade econômica do agente lesante torna-se imprescindível, sob pena de não alcançar todos os objetivos do instituto do dano extrapatrimonial.

Nos dizeres de Rizzatto Nunes:

Evidente que quanto mais poder econômico tiver o ofensor, menos ele sentirá o efeito da indenização que terá de pagar. E, claro, se for o contrário, isto é, se o ofensor não tiver poder econômico algum, o quantum indenizatório será até mesmo inexeqüível (o que não significa que não se deve fixá-lo).

De modo que é importante lançar um olhar sobre a capacidade econômica do responsável pelo dano. Quanto mais poderoso ele for, mas se justifica a elevação da quantia a ser fixada. Sendo que o inverso é verdadeiro. (grifo nosso) [7]

1.3 - Capacidade Econômica ou Condição Financeira da Vítima

A capacidade econômica da vítima é um critério extremamente controverso e tem gerado decisões, no mínimo, injustas. Este parâmetro é normalmente utilizado em conjunto com o critério da impossibilidade de enriquecimento ilícito/sem causa, e consiste na avaliação da capacidade econômica da vítima com a finalidade de apurar se o montante indenizatório concedido poder-lhe-ia causar enriquecimento, ou elevá-la para outra classe social. Caso positivo, o órgão julgador fixa o valor indenizatório de forma a não enriquecer a vítima, preservando sua situação financeira no patamar em que se encontra.

Por outro lado, se a vítima tem condição abastada, desprezando-se outras variáveis, o valor indenizatório poderia atingir valor superior, sem qualquer objeção do magistrado, pois mesmo com o recebimento da indenização sua condição financeira não seria significativamente alterada. Qualquer leigo, ao compreender a utilização deste parâmetro, percebe com clareza a magnitude da injustiça aplicada. Conforme esse entendimento, vige a máxima: “Pobres merecem valor indenizatório inferior aos ricos, ainda que o dano sofrido seja semelhante”. Esse posicionamento é inconstitucional e fere o princípio da igualdade, previsto como cláusula pétrea no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]

As decisões nesse sentido não foram poucas, e, sobre a utilização desse critério, o STJ já decidiu:

CIVIL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. A condição social da vítima, de pobre, não pode ser valorizada para reduzir o montante da indenização pelo dano moral; a dor das pessoas humildes não é menor do que aquela sofrida por pessoas abonadas ao serem privadas de um ente querido. Recurso especial conhecido e provido.(grifo nosso) [8]

Também o TJSC se manifestou de forma semelhante:

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS" [...] A justa fixação da indenização pelo dano moral deve varrer as interpretações baseadas no ganho mensal da vítima e fundamentadas no valor do título, sob pena de se afirmar que a dor, o sofrimento, as inviabilizações do pobre são menores do que as do rico, tratamento inadmissível em direito, mas, sim, deve levar em conta o binômio necessidade-possibilidade e, principalmente, o efeito pedagógico (educar e ensinar a não mais repetir o ato danoso). [...] (grifo nosso) [9]

A postura adotada pelos Tribunais acima mencionados em ambos os julgados demonstra como o critério da avaliação da “capacidade econômica” ou “condição financeira da vítima” (vencimentos mensais, posses, etc.) tem sido refutado, por ser injusto e incompatível com a ordem constitucional e o sistema de responsabilidade civil brasileiro.

Todavia, em que pese os acórdãos supracitados condenarem a utilização desse critério, de forma implícita ele é repetidas vezes incluído na fixação do montante indenizatório, no momento em que o magistrado busca aplicar o parâmetro da impossibilidade de enriquecimento ilícito ou enriquecimento sem causa da vítima, o qual será analisado logo abaixo. Rizzatto Nunes afirma de maneira enfática:

Sequer se deve perguntar da capacidade econômica daquele que sofreu o dano, porque não é em função disso que se vai fixar o valor da indenização.

Ou seja, quer se trate de uma pessoa humilde e sem posses, que seja uma abastada, isso em nada influi na determinação do quantum. [...]

Por isso, não têm qualquer validade as alegações, comumente utilizadas, de enriquecimento ilícito da vítima. Quando o magistrado determina um valor expressivo como indenização, ele não está olhando para a condição econômica da vítima e/ou se a paga indenitária irá enriquecê-la, mas, sim, está lançando sua investigação no causador do dano.

Enriquecer ou não em função da verba indenizatória é mero acaso, irrelevante para a fixação da quantia a ser paga. [10]

Por fim, além da evidente inconstitucionalidade, é necessário destacar que a análise da capacidade econômica da vítima se mostra completamente prejudicial ao cumprimento da tríplice função do dano extrapatrimonial.

A função punitiva diz respeito ao agente lesante, bem como a função dissuasora, a qual, por sua vez, também serve de advertência à sociedade, demonstrando que a prática cometida não será tolerada pela justiça. Apenas a função compensatória está relacionada à vítima, e, portanto, pergunta-se: qual o interesse na análise da capacidade econômica da vítima para o cumprimento da função compensatória? A resposta é simples: não há interesse algum. Ainda segundo Rizzatto Nunes, “Não se pode olvidar das características da indenização no caso de dano moral: ela é satisfativo-punitiva. O elemento satisfativo deve ser buscado no evento causador do dano, não na condição econômica da vítima”. [11]

Para cumprir a função compensatória o magistrado utilizará como parâmetro a extensão do dano, o grau de culpa das partes, as condições pessoais da vítima, ou outros que se revelarem importantes no caso em concreto, porém, não há necessidade de avaliar a condição financeira da parte lesada. O fato de ser pobre ou rica não diminui nem aumenta a dor moral sofrida pela vítima, razão pela qual este critério merece ser banido da ordem jurídica nacional.

Clayton Reis, tratando da condição econômica da vítima, também afirma:

[...] a posição financeira da vítima não é importante no processo de identificação da lesão perpetrada à personalidade do agravado.

[...] Acaso diminui a dor e a aflição quando mais humilde é o prejudicado?

A humildade é, na maioria das vezes, prova de resignação e profunda compreensão vivenciada pelas pessoas nos momentos difíceis da existência humana. As pessoas humildes são, no geral, aquelas que detêm mais sensibilidade, e é por intermédio delas que ocorrem os maiores exemplos de solidariedade e compaixão. Os pobres e os humildes são as maiores vítimas da sociedade consumista e materialista. (grifo nosso) [12]

1.4 Impossibilidade de Enriquecimento Sem Causa / Ilícito / Indevido

Dentre todos os critérios estudados até agora, a impossibilidade de enriquecimento sem causa, também chamada de impossibilidade de enriquecimento ilícito, ou, ainda, impossibilidade de enriquecimento indevido, é o mais citado. A jurisprudência do STJ [13] e do TJSC [14] utiliza com freqüência o referido parâmetro com o objetivo de reduzir ou manter o montante indenizatório fixado, e, assim, não permitir que a vítima tenha aumento do seu patrimônio com o recebimento da reparação pecuniária.

Como exemplo, segue abaixo recente julgado do STJ:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DÍVIDA JÁ PAGA. INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. VALOR. EXCESSO. REDUÇÃO.

I. Reconhecida a responsabilidade da recorrente cabível a indenização, porém em patamar razoável, a fim de evitar enriquecimento sem causa.

II. Recurso especial conhecido e provido. [15]

No caso supra, o tribunal considerou excessivo o valor de R$40.000,00 fixado em favor da vítima pelo Tribunal de Alagoas, reduzindo o montante para R$10.000,00 de acordo com outras decisões em casos semelhantes no STJ. Não há no relatório e no voto qualquer menção a outros critérios ou particularidades do caso concreto que ensejaram a fixação do valor indenizatório em R$40.000,00. Consta apenas a citação de diversos casos semelhantes (não idênticos), no qual o STJ fixou valor em patamar inferior, para ao final ser apresentada a ideia de redução do valor indenizatório.

O critério da razoabilidade, aliado à necessidade de evitar o enriquecimento sem causa, foram determinantes no acórdão acima, o que revela a influência e o peso que estes parâmetros possuem na jurisprudência. Interessante é notar que ambos os tribunais citados entendem plenamente aceitável a utilização da função punitiva na fixação do montante indenizatório, porém, contraditoriamente, manifestam oposição ao enriquecimento da vítima.

Segundo Wesley de Oliveira:

Fato interessante é a existência de julgados que, ao mesmo tempo que reconhecem o caráter punitivo do dano moral vedam o enriquecimento por parte do lesado.

Ocorre que, nestes casos, o enriquecimento do lesado é conseqüência inevitável, visto que receberá, além da compensação dos danos sofridos, quantia representativa dos danos punitivos. (grifo nosso)[16]

Essa contradição revela que muitas vezes a função punitiva é citada como mero instrumento de retórica, pois, de fato, é impossível aplicar a função punitiva sem que a vítima enriqueça de alguma forma. Na verdade, em toda ação dano extrapatrimonial puramente anímico, na qual há pedido de reparação pecuniária, haverá enriquecimento da vítima, pois o prejuízo foi de ordem não econômica, conforme já esclarecido no primeiro capítulo.

Para Osny Claro:

[...] mesmo para quem recebe um salário mínimo mensal ou milhares deles como paga de seu trabalho, o recebimento de um real que seja, e apenas um real, importa em substancial e efetivo enriquecimento, porque o valor acresceu ao que normal e ordinariamente é percebido pelo beneficiado, de modo que o que enriquece é o acréscimo em si, e não o seu montante, isoladamente.(grifo nosso)[17]

Antônio Jeová Santos, por outro lado, defende a utilização do parâmetro, e argumenta:

A reparação de um dano moral, seja qual for sua espécie, não deve significar uma mudança de vida para a vítima ou para a sua família. Uma fonte de enriquecimento surgida da indenização. O dano moral não pode servir a que vítimas ou pseudovítimas vejam sempre a possibilidade de ganhar um dinheiro a mais, enriquecendo-se diante de qualquer abespinhamento. (grifo nosso) [18]

O autor acima, na própria construção do seu entendimento, demonstra certo preconceito com as partes que propõe ação reparatória de danos extrapatrimoniais, pressupondo a existência de pseudovítimas buscando enriquecimento exacerbado mediante ações judiciais fundamentadas em “[...] qualquer abespinhamento¹²¹”. Na verdade, é o temor de fomentar a “indústria do dano moral” que serve de alicerce para a utilização do referido critério.

Rui Stoco, receoso, de forma semelhante assevera:

[...] o que se busca é que a indenização esteja informada de princípios que permitam estabelecer perfeito equilíbrio para o encontro de um valor justo que sirva, a um só tempo, de desestímulo ao ofensor e de compensação ao ofendido, que não seja ínfima para quem dá, nem excessiva para quem recebe; que não leve o primeiro à ruína, nem enriqueça ilicitamente o segundo [...] [19]

A realidade é triste e simples: não se aplica a função punitiva e a função dissuasora de forma efetiva em razão do receio em incentivar o ajuizamento de ações reparatórias. Segundo essa lógica perversa as vítimas são duplamente vitimadas, uma vez pelo agente lesante e outra pelo órgão julgador, que não utiliza a tríplice função do dano extrapatrimonial para evitar o “enriquecimento” e o eventual aumento da demanda de ações reparatórias das “pseudovítimas”, que, segundo essa corrente, certamente virão.

Pune-se a maioria em detrimento da minoria de má-fé que hipoteticamente poderia propor ações com o mero objetivo de enriquecimento. Perpetua-se o ciclo de danos injustos às vítimas, em virtude da utilização da função punitiva e dissuasora como mero instrumento de retórica, sem a eficácia que o sistema da responsabilidade civil exige.

Quanto aos termos enriquecimento ilícito e enriquecimento indevido, Osny Claro de Oliveira Junior, magistrado em Rondônia, destaca:

Alardeia-se o temor de que, por meio de indenizações por danos morais, levar-se ao enriquecimento indevido e/ou sem causa do recebedor da indenização, e/ou ao empobrecimento do devedor da indenização. [...]

Sob outro ângulo, não se tem caracterizado o propalado enriquecimento indevido ou ilícito, ou até mesmo o locupletamento ilícito por vezes aventado.

Ocorre que até chegar ao valor final da indenização o lesado – credor da obrigação - teria necessariamente percorrido todo o longo caminho imposto pelo devido processo legal, não se podendo admitir desta forma que, forjado o valor indenizatório sob o crivo e com a chancela do Poder Judiciário, e qualquer que seja o quantum da condenação transitada em julgado – frise-se, transitada em julgado - a título de danos morais, tenha ocorrido enriquecimento indevido ou ilícito, e muito menos locupletamento deste ou daquele.

Neste passo, jamais seria indevido ou ilícito o enriquecimento advindo de indenização recebida e fixada em dado patamar ao longo de fundamentada e motivada decisão judicial, prolatada ao cabo de ação judicial regularmente proposta e processada. [20]

Logo, é imprópria a utilização do termo “enriquecimento ilícito” nessas situações, pois não há qualquer ilicitude em uma ação reparatória de danos extrapatrimoniais, se esta tramitar em respeito aos princípios do contraditório e ampla defesa.

Em relação ao termo enriquecimento sem causa, também há evidente incoerência, pois, admitindo-se certo enriquecimento da vítima como inevitável, ante o próprio caráter não-patrimonial dos danos sofridos e o recebimento de reparação pecuniária, a causa do aumento do seu patrimônio consiste justamente no dano ocorrido em razão da ação ou omissão do agente lesante. Portanto, não é juridicamente correta a utilização do termo enriquecimento sem causa em sede de danos extrapatrimoniais. O Código Civil de 2002 dispõe: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. [21]

Para a aplicação do dispositivo legal supra é obrigatória a conjugação de três fatores: 1) o enriquecimento de uma pessoa; 2) à custa de outrem; 3) sem justa causa. Antunes Varela ensina:

A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) que haja um fato gerador do enriquecimento para alguém; b) que o enriquecimento proveniente desse fato careça de causa justificativa; c) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (ou de um seu antecessor). [22]

Em uma ação reparatória de danos extrapatrimoniais não há possibilidade de aplicação do art. 884 do Código Civil, pois, em primeiro lugar, conforme já dito, toda ação dessa modalidade importará em enriquecimento da vítima, em virtude da natureza dos danos, a saber, danos não-patrimoniais, que não afetam o patrimônio material da vítima. Se possível a utilização do artigo 884 do Código Civil nessas ações, toda reparação pecuniária recebida pela vítima será indevida. Logo, percebe-se que esse posicionamento remete à antiga tese negativista, que repudiava a reparação do dano extrapatrimonial.

Superado o item acima, percebe-se que o outro requisito cumulativo obrigatório para a verificação do enriquecimento sem causa não existe, pois o enriquecimento inevitável da parte lesada tem sim “justa causa”, ao contrário do que determina o texto legal, pois o motivo justificador é o próprio dano sofrido em sua esfera personalíssima.

Em que pese os argumentos ora apresentados, é recorrente a utilização desse critério no TJSC, conforme demonstra o exemplo abaixo:

RESPONSABILIDADE CIVIL - INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DA AUTORA EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO [...] A indenização por danos morais - que tem por escopo atender, além da reparação ou compensação da dor em si, ao elemento pedagógico, consistente na observação pelo ofensor de maior cuidado de forma a evitar a reiteração da ação ou omissão danosa - deve harmonizar-se com a intensidade da culpa do lesante, o grau de sofrimento do indenizado e a situação econômica de ambos, para não ensejar a ruína ou a impunidade daquele, bem como o enriquecimento sem causa ou a insatisfação deste.[23]

O TJSC por vezes já utilizou o valor do título e a própria profissão e ganhos mensais da vítima como critério para valoração do dano extrapatrimonial, a fim de não fomentar o propalado enriquecimento sem causa, conforme consta no julgado a seguir:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO INDEVIDA. [...] INDENIZAÇÃO FIXADA PELO JUÍZO A QUO. RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ E RECURSO ADESIVO AFORADO PELA AUTORA, AMBOS COM O FITO DE ALTERÁ-LA. CRITÉRIOS PARA DETERMINAÇÃO DO QUANTUM ADSTRITOS À DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR E CONDIÇÕES PARTICULARES DAS PARTES E DA SITUAÇÃO FÁTICA. TÍTULOS DE PEQUENA MONTA. VALORAÇÃO DA CONDIÇÃO PESSOAL E PROFISSIONAL DA AUTORA E DA PESSOA JURÍDICA OBRIGADA AO PAGAMENTO. ADEQUAÇÃO DA QUANTIA SEM CONFIGURAR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ATENÇÃO ÀS FUNÇÕES REPRESSORA E PEDAGÓGICA DA INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. [...] No caso em apreço verifica-se que a vítima apresenta como profissão a de costureira, possuindo, portanto, nível de vida condizente com sua situação, motivo este pelo qual deve-se atentar ao valor indenizatório de modo que não lhe seja propiciado o enriquecimento sem causa, sobretudo levando-se em conta o pequeno valor dos títulos, nos valores de R$ 85,27 (oitenta e cinco reais e vinte e sete centavos) cada [24]

A utilização do critério das condições pessoais da vítima é relevante, apenas e tão somente, para averiguar a importância que o direito violado tinha na vida da vítima, conforme já esclarecido. Porém, para infelicidade das vítimas de nosso país, este parâmetro tem sido distorcido na jurisprudência a fim de refutar o “enriquecimento sem causa” da parte lesada. Os tribunais utilizam, na verdade, a avaliação da capacidade econômica da vítima, (v. G. Uma simples costureira, com “[...] nível de vida condizente com sua situação [...]”), para manter o quantum indenizatório no patamar fixado em primeiro grau e não proporcionar o alegado enriquecimento.

Pode-se concluir que a utilização do parâmetro que visa impossibilitar o enriquecimento da vítima inviabiliza o cumprimento da tríplice função do dano extrapatrimonial, e também é um critério inconstitucional, pois traz consigo a necessidade de avaliar a capacidade financeira da vítima, o que constitui infração grave ao princípio constitucional da igualdade.

 

Referências bibliográficas:


[1] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005 p. 316.

[2] SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. P. 187.

[3] JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. V. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 290-291.

[4] ______, ______. Op cit. P. 291-292.

[5] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Op. Cit. P. 314.

[6] Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

[7] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Op. Cit. P. 314.

[8] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 951.777/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. P/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 19.06.2007, DJ 27.08.2007 p. 252. Disponível em: Acesso em: maio 2008.

[9] BRASIL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2000.016454-2 Des. Rel. Cercato Padilha, de Joinville, julgado em 31/10/2002. Disponível em: Acesso em: junho de 2008.

[10] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Op. Cit. P. 315.

[11] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Op. Cit. P. 315.

[12] REIS, Clayton. Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 117.

[13] Conforme os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: REsp 592220 / PR; REsp 776732 / RJ; REsp 872181 / TO; REsp 808688 / ES; REsp 871465 / PR e REsp 856820 / SC

[14] Conforme os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Apelação Cível nº 2003.001629-5; Apelação Cível nº 2005.026837-7; Apelação Cível nº 2004.023990-4; Apelação Cível nº 2001.021796-1 e Apelação Cível nº 2003.013891-9.

[15] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina. REsp 994.171/AL, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 12.02.2008, DJ 17.03.2008 p. 1. Disponível em: Acesso em: maio 2008.

[16] BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano Moral: Critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, p. 177-178.

[17] OLIVEIRA JUNIOR, Osny Claro de. O caráter punitivo das indenizações por danos morais: adequação e impositividade no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em:. Acesso em: 04 jun. 2007.

[18] SANTOS, Antônio Jeová. Op. Cit. P. 204.

[19] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 1714.

[20] OLIVEIRA JUNIOR, Osny Claro de. Op. Cit.

[21] BRASIL, Lei nº 10.4066 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: Acesso em: 08 de jun. De 2008.

[22] VARELA, Antunes. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1977, p. 194.

[23] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2006.029490-4, Des. Rel. Marcus Túlio Sartorato, de Itajaí, julgado em 29/05/2007. Disponível em: Acesso em: junho de 2008.

[24] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2001.001817-4, Des. Rel. Jorge Henrique Schaefer Martins, de Itajaí, julgado em 29/08/2002. Disponível em: Acesso em: junho de 2008.

 

 

Cícero Antônio Favaretto