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A tríplice função do dano moral

O instituto jurídico do dano moral ou extrapatrimonial tem três funções básicas: compensar alguém em razão de lesão[1] cometida por outrem à sua esfera personalíssima, punir o agente causador do dano, e, por último, dissuadir e/ou prevenir nova prática do mesmo tipo de evento danoso. Essa prevenção ocorre tanto de maneira pontual em relação ao agente lesante, como também de forma ampla para sociedade como um todo.

Uma das funções é dirigida à pessoa que sofreu o dano; a outra atinge o responsável pela ocorrência do dano e a última dispõe que tanto o responsável pelo evento danoso não deve repeti-lo como também a sociedade, razão pela qual esta também é denominada de pedagógica ou educativa. Em síntese, as funções do dano extrapatrimonial podem ser representadas por três verbos: compensar, punir e dissuadir.

O professor Fernando Noronha, ao discorrer sobre as funções da responsabilidade civil, afirma que “[...] se essa finalidade (dita função reparatória, ressarcitória ou indenizatória) é a primacial, a responsabilidade civil desempenha outras importantes funções, uma sancionatória (ou punitiva) e outra preventiva (ou dissuasora)”.[2]

 

1 - A Função Compensatória

No princípio havia grande resistência da doutrina e jurisprudência em nosso país para aceitação da teoria da reparação por danos extrapatrimoniais. Essa resistência consistia, basicamente, no argumento de que a dor e o sofrimento decorrente de violação ao direito da personalidade não poderiam ser objeto de indenização pecuniária, uma vez que tais ofensas não possuem caráter econômico.

Segundo Carlos Alberto Bittar:

A tese da reparabilidade dos danos morais demandou longa evolução, tendo encontrado óbices diversos, traduzidos, em especial, na resistência de certa parte da doutrina, que nela identificava simples fórmula de atribuição de preço à dor, conhecida, na prática, como pretium doloris. [3]

Em conseqüência desse entendimento retrógrado, inúmeras pessoas foram vítimas de danos à sua esfera personalíssima e jamais receberam a compensação correspondente, ao passo que os responsáveis pelos danos saíram ilesos[4]. Ao mesmo tempo em que nosso Poder Judiciário enxergava imoralidade naqueles que pretendiam receber indenização por danos extrapatrimoniais, padecia de cegueira em relação aos agentes causadores dos danos.

Para agravar a situação, o conceito da reparação integral, também denominada restitutio in integrum, um dos princípios basilares da responsabilidade civil ao lado do neminem laedere, não parecia adequar-se à idéia de reparação de danos incomensuráveis. Como reparar integralmente um dano sem medida exata?

A tentativa de adequar a reparação dos danos extrapatrimoniais aos paradigmas clássicos da responsabilidade civil foi, e é até hoje, uma das barreiras nesse processo de evolução das técnicas jurídicas utilizadas para avaliar a possibilidade de reparação e mensuração do quantum indenizatório. Nas palavras de André Gustavo Corrêa de Andrade:

A concepção clássica, que vê na responsabilidade civil a função exclusiva de reparação do dano ou de ressarcimento da vítima, não se ajusta ao dano moral, a não ser ao custo de artificialismos e reducionismos. A distintiva natureza do dano moral em relação ao dano material é, por si só, indicativa de que a tradicional sanção reparatório não é ordinariamente aplicável àquela, pelo menos não sem o recurso de ficções jurídicas. A tutela dos bens personalíssimos não se realiza do mesmo modo que a tutela dos bens materiais ou patrimoniais. [5]

As discussões jurídicas sempre foram intensas e inflamadas, porém, para o leigo, que tinha seu estado de ânimo abalado, sua dignidade maculada ou sofria a perda de um ente querido, tais conceitos não tinham relevância alguma. A vítima, sentindo-se injustiçada, lutava por seu direito no Judiciário, buscando amenizar a ofensa sofrida. Nosso Poder Judiciário, por sua vez, julgava improcedente a grande maioria das ações, com base nos argumentos já mencionados.

Georges Ripert, na obra “A Regra Moral das Obrigações Civis”, premiada pelo instituto de França (Prêmio Dupin 1930), já considerava plenamente cabível a tese favorável à reparabilidade do prejuízo extrapatrimonial, conforme transcrição abaixo:

A maior parte das vezes a vítima da falta, avaliando ela própria a importância pecuniária do prejuízo moral que sofreu, pede perdas e danos em compensação desse prejuízo. Não há hoje nenhuma hesitação na jurisprudência sobre o princípio da reparação do prejuízo moral. Os contornos da teoria continuam indecisos, mas o princípio está estabelecido: é preciso uma reparação.

Não poderíamos duvidar do valor desse princípio, dado o fundamento que atribuímos à responsabilidade civil. Se é certo que a lei civil sanciona o dever moral de não prejudicar outrem, como poderia ela, quando se defende o corpo e os bens, ficar indiferente em presença do ato prejudicial que atinge a alma? Não devemos unicamente respeitar o patrimônio do próximo, mas também a sua honra, suas afeições, as suas crenças, e os seus pensamentos. [6]

As dificuldades e obstáculos apresentados pela corrente contrária à reparação dano extrapatrimonial foram grandes, porém não suficientes para impedir o contínuo crescimento e aceitação da tese favorável. Em que pese o domínio de uma ótica estritamente patrimonialista da responsabilidade civil e de seus institutos, mediante uma revisão do conceito de dano e reparação, os sofismas opostos foram derrubados, um a um.

Assim, compensar significa amenizar, atenuar o dano de maneira a minimizar suas conseqüências e satisfazer a vítima com uma quantia econômica, que servirá como consolo pela ofensa cometida. A função compensatória da reparação por danos morais não guarda relação de equivalência absoluta com o dano, até mesmo em virtude do seu caráter não-econômico, sendo impossível sua exata aferição, como já mencionado anteriormente.

Todavia, nem sempre quando formulado pedido de indenização pecuniária a vítima tem por escopo a compensação financeira - André Gustavo Corrêa de Andrade esclarece esse entendimento:

[...] qualquer consolo se mostra virtualmente impossível quando a vítima for pessoa economicamente abastada. Em muitos casos, o único consolo que, talvez, a indenização proporcione seja o de constituir uma forma de retribuir ao ofensor o mal por ele causado, o que pode trazer para a vítima alguma paz de espírito – mas aí a finalidade dessa quantia já não será propriamente compensatória ou satisfatória, mas punitiva. [7]

Nessas hipóteses a ação de reparação por danos extrapatrimoniais busca punição do agente lesante. Ainda assim, há uma espécie de compensação psíquica, pois a vítima, por meio da condenação judicial, tem o seu sentimento de justiça aplacado.

Após a superação dos óbices que surgiram frente à tese da reparabilidade dos danos extrapatrimoniais, a função compensatória alcançou o status de unanimidade na doutrina e jurisprudência. Trata-se de uma postura que se coaduna com o posicionamento adotado pela Constituição Federal de 1988, responsável pela nova perspectiva em relação à proteção do indivíduo, com destaque ao princípio da dignidade da pessoa humana e à defesa dos direitos fundamentais.

 

2 - A Função Punitiva ou Sancionatória

A função punitiva consiste em punir o agente lesante pela ofensa cometida, mediante a condenação ao pagamento de um valor indenizatório capaz de demonstrar que o ilícito praticado não será tolerado pela justiça. Para Cavalieri:

[...] não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar impune a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em benefício da vítima.[8]

Percebe-se, assim, que a não aplicação da função punitiva acarreta no estímulo indireto à prática de novas infrações. Essa conseqüência indesejada ocorre em virtude da sensação de impunidade do lesante, o qual muitas vezes acredita ter obtido vantagem com o ilícito.

Tendo em vista a resistência histórica dos tribunais e da doutrina na aceitação da teoria de reparação dos danos extrapatrimoniais, é natural que ainda exista receio em relação à função punitiva do instituto. Esse receio é oriundo, em parte, da realidade existente nos Estados Unidos da América, onde é mais freqüente a condenação ao pagamento de indenizações milionárias. Rui Stoco, apesar de admitir a função punitiva, faz uma ressalva:

Há, neste momento, um sério risco de o Brasil atingir o nefando status a que chegaram os Estados Unidos da América, onde todo e qualquer produto contém em sua embalagem advertências (warning) de toda ordem, visando prevenir possíveis ações judiciais, que certamente virão.

Nesse país o exagero nas pretensões de quem pede – particulares ou consumidores – e a perda de senso de equilíbrio e de equidade que devem nortear e orientar (na fixação do valor do dano) aquele a quem se pede, contribuíram decisivamente para estabelecer a verdadeira “indústria” das indenizações. [9]

Em que pese o entendimento do autor supracitado, o risco do Brasil atingir o “status” alcançado pelos EUA é mínimo, bastando analisar os valores indenizatórios normalmente fixados pelos magistrados brasileiros. Trata-se de um temor sem fundamento, pois a jurisprudência[10] demonstra grande timidez na aplicação da função punitiva.

O doutrinador Clayton Reis, afirma que o sistema jurídico da responsabilidade civil no Brasil não permite a adoção da função punitiva ao lado da compensatória, em razão da separação entre o direito civil e o direito penal. Nesse contexto, o princípio da legalidade que orienta o direito penal (nullum crime, nulla poena sine praevia lege) seria motivo suficiente para afastar qualquer pretensão punitiva no âmbito da responsabilidade civil, uma vez que não há previsão legal para punição dos agentes causadores do dano extrapatrimonial [11].

Além disso, segundo o referido autor:

[...] a função essencial da norma civil, diversamente da norma penal, é basicamente a de indenizar o dano na esfera do direito privado. Não obstante a interação entre os dois institutos, eles, no entanto, se situam em planos diversos que são autônomos. Assim, a princípio, ocorre inevitável incoerência entre os dois segmentos do direito, quando se atribui função punitiva ao processo de indenização de danos no plano da responsabilidade civil. [...] A norma penal possui uma função preventiva e repressiva. Todavia, essa situação não ocorre na esfera do direito civil, em que o pagamento de uma determinada importância implica a reparação de um prejuízo causado à vítima de forma voluntária e ilícita. [12]

Analisando a tese oposta por Clayton Reis, numa primeira impressão, pode-se considerá-la razoável, todavia, após refletir com maior atenção percebe-se que não há fundamento sólido. No campo penal, a taxatividade é absolutamente necessária, pois o Estado tomou para si a possibilidade de tolher a liberdade de seus cidadãos diante de determinadas infrações aos comandos previamente estabelecidos em lei. Assim, a atuação do Estado é imperativa na repressão dos ilícitos penais.

No direito civil, por outro lado, a responsabilização dos agentes causadores de dano diz respeito, na sua grande maioria, às relações estabelecidas entre particulares. A iniciativa em buscar a tutela jurisdicional deve partir daqueles que foram lesados ou necessitam de algum provimento do Estado para satisfação do seu direito. Segundo Rudolf Von Ihering:

Enquanto a realização do direito público e do direito criminal foi erigida em dever das autoridades estatais, a do direito privado constitui faculdade das pessoas privadas, isto é, foi deixada a cargo de sua iniciativa e atuação individual. [13]

Além disso, no direito civil, ante a enorme gama de relações existentes, não é possível a aplicação do princípio da legalidade e taxatividade. Ripert, tendo por base a jurisprudência francesa da década de 1920, já afirmava:

Se o prejuízo é grave e público, a lei penal considerando que perturba a ordem social reprime-o; se é ligeiro ou clandestino, pertence à vítima que entrou em juízo com uma ação de reparação. A jurisprudência acolhe hoje estas ações muito mais favoravelmente. Esta parte dos domínios da responsabilidade civil está fortemente marcada pelo império da regra moral. [14]

Eduardo Talamini, em profundo estudo sobre os preceitos sancionatórios, demonstra claramente a inexistência daquela alegada incoerência entre o sistema penal e civil, conforme transcrição abaixo:

A sanção retributiva negativa (punitiva), que se constitui pela imposição de uma desvantagem para o transgressor da norma, recebe também o nome de pena. Aflige-se um mal ao sancionado, ou priva-se-lhe de um bem, em reprovação pela conduta ilícita. A sanção punitiva não opera só na esfera criminal - ainda que geralmente se reserve o termo “pena” à conseqüência da conduta ilegalmente tipificada como crime. Enquadram-se igualmente na categoria, por exemplo, as punições administrativas, as penas fiscais, diversas sanções no direito de família e das sucessões, etc. Também há, portanto, sanção punitiva civil. O liame unificador de todas essas punições – civis e criminais – está no seu escopo aflitivo: pune-se como reprovação pelo ilícito, e não com o escopo primordial de obter situação equivalente a que existiria se não houvesse a violação. [15]

A função punitiva, semelhantemente à sanção punitiva, tem o condão de impedir que a indenização seja meramente simbólica, ou seja, num patamar tão insignificante que não represente agravo ao agente lesante. A confusão da doutrina reside na afirmação categórica de que pena existe tão somente na esfera penal, sendo inviável sua aplicação no âmbito civil. Fernando Noronha, de maneira justa e ponderada, ensina:

Há mesmo alguns danos em que uma natureza exclusivamente indenizatória da responsabilidade civil não seria suficiente para justificar a reparação. É designadamente o que acontece com os danos puramente anímicos (ou morais em sentido estrito) e com os danos puramente corporais, que propriamente não se indenizam, apenas se lhes dá uma satisfação compensatória, ainda que de natureza pecuniária, como veremos noutros capítulos [8.1.2; v.2, cap. 10]; é em especial na reparação desses danos que fica patente, mesmo que com relevo secundário, a finalidade de punição do lesante, sobretudo se agiu com forte culpa. Por outro lado, quando a conduta da pessoa obrigada à reparação for censurável, também é compreensível que a punição do responsável ainda seja uma forma de satisfação proporcionada aos lesados. [16]

É interessante observar que Noronha, no texto acima, faz referência à utilização da função punitiva especialmente quando há forte culpa, o que demonstra a necessidade do Judiciário de analisar com extremo cuidado cada caso específico, a fim de verificar todas as particularidades que possam auxiliar na avaliação do grau de culpa das partes envolvidas.

Carlos Alberto Bittar não destoa do entendimento dos juristas acima e ainda esclarece:

Mas sob a ótica do lesado, quando exista pessoa ou entidade diretamente afetada pelo ilícito penal, alcança a apenação do agente efeito satisfativo, de um lado, diante do reconhecimento que representa, pelo Poder competente, do direito violado e, de outro, caráter aflitivo ao lesante. Verifica-se, aliás, a sua identificação, na doutrina, como sanção aflitiva, que, para o lesado contribui para a compensação pelos danos suportados, ou, pelo menos, para atenuação dos sofrimentos que lhe foram impostos pela ação ilícita.

É que as sanções penais e civis, a par da origem comum e da sujeição ao mesmo princípio geral, o do neminem laedere, apresentam-se com vários elementos de contato, eis que ambas constituem instrumentos jurídicos de ministração de justiça do caso concreto, ou, ainda, modos de reação a comportamentos que transgridem deveres impostos ao convívio social pelo Direito.

Assim, não obstante os fatos que as separam – a saber, de que cada qual preenche objetivos centrais diversos, distintas são as formulações teóricas e legislativas e diversas as conseqüências diretas, e que a doutrina salienta – encontram-se essas sanções no ponto exato em que desestimulam condutas incompatíveis com o respeito devido aos direitos referidos, repousando ainda, sobre certas causas comuns. [17]

Percebe-se assim que a função punitiva é paralela à função compensatória e, em algumas situações, a aplicação efetiva daquela resulta no alcance desta. Como exemplo, pode-se citar aquelas ações de reparação de dano extrapatrimonial nas quais as vítimas não desejam receber o valor indenizatório para si, preferindo doá-lo para instituições filantrópicas. Segundo entendimento de André Gustavo Corrêa de Andrade, nem sempre a indenização será comportará a função compensatória e punitiva simultaneamente:

A indenização do dano moral apresenta uma complexidade que não admite reducionismos. Sua finalidade não se limite à compensação ou satisfação da vítima nem está restrita à punição do ofensor. Os dois objetivos podem ser identificados nesse peculiar espécie de sanção. Mas não se afigura exata a idéia de que ela desempenharia sempre essas duas funções. O exame de diversas hipóteses de dano moral bem demonstra o multifacetado papel desempenhado pela respectiva indenização, que variará de acordo com o caso. [18]

Nessas hipóteses a função compensatória assume papel secundário, pois não é o dinheiro que serve de lenitivo para a vítima, mas busca-se a efetiva condenação (punição) do réu, a qual servirá para satisfazer o sentimento de justiça do lesado (compensação). O objetivo dessas ações é a preservação da existência moral do indivíduo, conforme afirma Ihering:

[...] o demandante que recorre ao processo para defender-se contra um ultraje ao seu direito não tem em vista o objeto do litígio, talvez insignificante, mas antes visa a um objetivo ideal: a afirmação de sua própria pessoa e do seu sentimento de justiça. [...] Não é o prosaico interesse pecuniário, mas a dor moral da injustiça sofrida que impele a vítima a instaurar o processo. O que se tem em mente não é recuperar o objeto do litígio – talvez, como muitas vezes ocorre em casos como esses, ele o terá doado a uma instituição de caridade, para fixar os verdadeiros motivos que conduzem ao litígio. O que pretende é fazer prevalecer seu bom direito. Alguma coisa no seu interior lhe diz que não pode recuar, que não se encontra em jogo o valor do objeto em litígio, mas sua personalidade, sua honra, seu sentimento de justiça, seu auto-respeito. Em poucas palavras, o processo transforma-se de uma questão de interesse numa questão de caráter: o que está em jogo é a afirmação ou a renúncia da própria personalidade. [19]

Assim, em que pese muitas vezes o dano extrapatrimonial parecer pequeno ou de pouca importância para terceiros (inclusive para o próprio juiz), há nessa luta do lesado profundo significado ideológico, pois seu direito da personalidade foi violado e seu sentimento de justiça ultrajado. O mesmo autor ainda destaca: “Portanto, a defesa do direito é um dever de autoconservação moral: o abandono total do direito, hoje impossível, mas já foi admitido, representa o suicídio moral.”[20] Ripert ainda vai além ao mencionar que nos casos de prejuízo moral:

O que na realidade visa a condenação não é a satisfação da vítima, mas a punição do autor. As perdas e danos não tem o caráter de indenização, mas caráter exemplar. Se há delito penal, a vítima pede que se acrescente alguma coisa a uma pena pública insuficiente ou mal graduada; se não há delito penal, a vítima denuncia o culpado que soube escapar-se por entre as malhas da lei penal. Há pena privada. Porque tem que se pronunciar a pena sob o aspecto da reparação. [21]

Para Rizzatto Nunes:

[...] é preciso realçar um dos aspectos mais relevantes - e que, dependendo da hipótese, é o mais importante - que é o da punição ao infrator.

O aspecto punitivo do valor da indenização por danos morais deve ser especialmente considerado pelo magistrado. Sua função não é satisfazer a vítima, mas servir de freio ao infrator para que ele não volte a incidir no mesmo erro. [22]

Ainda buscando amparo em Ihering, é interessante notar que este jurista, já em 1872, assinalava para a importância do resgate de institutos processuais romanos que visavam punir pecuniariamente aqueles que infringissem a lei, mesmo no âmbito exclusivamente civil, conforme transcrição abaixo:

O objetivo de todas as penalidades era idêntico ao das penas no direito criminal. De um lado inspiravam-se numa finalidade eminentemente prática, a de resguardar interesses privados também contra lesões que não pudessem ser classificadas como crimes, de outro visavam a uma finalidade estética, qual seja a de obter uma reparação para o sentimento de justiça ofendido, de restaurar a majestade da lei menosprezada. Ve-se que o dinheiro não representa um fim em si, mas apenas o meio de atingir uma finalidade. [23]

Todavia, importante destacar que a função punitiva, isoladamente, não serve como fundamento para excessos dos magistrados. Os extremos – indenização ínfima/indenização altíssima – geralmente acarretam em situações injustas, razão pela qual a função punitiva assume especial relevo quando há a conjugação de certos fatores que ensejam o aumento do valor indenizatório. Esses fatores são alguns dos critérios a serem analisados nos próximos artigos.

 

3 - A Função Dissuasora ou Preventiva

Esta função tem duplo objetivo: dissuadir o responsável pelo dano a cometer novamente a mesma modalidade de violação e prevenir que outra pessoa pratique ilícito semelhante. O primeiro afeta o agente lesante, ao passo que o outro reflete na sociedade em geral, que é advertida por meio da reação da justiça frente à agressão dos direitos da personalidade. Em virtude desses efeitos é também chamada de função pedagógica ou educativa, e por diversas vezes tem sido mencionada na jurisprudência[24].

Para Noronha:

Esta função da responsabilidade civil é paralela à função sancionatória e, como esta, tem finalidades similares às que encontramos na responsabilidade penal, desempenhando, como esta, funções de prevenção geral e especial: obrigando o lesante a reparar o dano causado, contribui-se para coibir a prática de outros atos danosos, não só pela mesma pessoa como sobretudo por quaisquer outras. Isto é importante especialmente no que se refere a danos que podem ser evitados (danos culposos). [25]

No entendimento de Antônio Jeová Santos, bem como para Rui Stoco[26], a função dissuasora é conseqüência da punitiva:

Quem foi condenado a desembolsar certa quantia em dinheiro pela prática de um ato que abalou o bem-estar psicofísico de alguém, por certo não será recalcitrante na mesma prática, com receio de que sofra no bolso a conseqüência do ato que atingiu um semelhante. Sim, porque a indenização além daquele caráter compensatório deve ter algo de punitivo, enquanto sirva para dissuadir a todos de prosseguir na faina de cometimento de infrações que atinjam em cheio, e em bloco, os direitos personalíssimos. [27]

Carlos Alberto Bittar, por sua vez, afirma:

De fato, não só reparatória, mas ainda preventiva é a missão da sanção civil, que ora frisamos.

Possibilita, de um lado, a desestimulação de ações lesivas, diante da perspectiva desfavorável com que se depara o possível agente, obrigando-o, ou a retrair-se, ou, no mínimo, a meditar sobre os ônus que terá de suportar. Pode, no entanto em concreto, deixar de tomar as cautelas de uso: nesses casos, sobrevindo o resultado e à luz das medidas tomadas na prática, terá que atuar para a reposição patrimonial, quando materiais os danos, ou a compensação, quando morais, como vimos salientando. [28]

Apesar das divergências doutrinárias, as duas vertentes supra admitem que o dano extrapatrimonial tem por objetivo o alcance de três finalidades, razão pela qual é irrelevante o debate acerca do desdobramento da função punitiva em uma subfunção dissuasora. O ponto de encontro entre as teses é que merece destaque, ou seja, são três finalidades a serem alcançadas na fixação do dano extrapatrimonial: compensar, punir e dissuadir.

 

Referências bibliográficas:

[1] É sabido que nos casos de responsabilidade objetiva não interessa a ilicitude do ato lesivo, basta tão somente a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre a conduta do agente lesante e o evento danoso. Todavia, essa distinção em torno da ilicitude do ato lesivo e o estudo da responsabilidade objetiva não é a meta do presente trabalho, razão pela qual essa ressalva inicial faz-se necessária.

[2] NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: Fundamento do direito das obrigações. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 437.

[3] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos morais. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 76.

[4] O dano extrapatrimonial deixou de ser reparado em virtude de ser considerado inacumulável com dano material ou pela simples “fórmula de pretium doloris” nos seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal: RE 84244 / RJ, julgado em 16/11/1976; RE 95266 / RJ, julgado em 30/10/1981; RE 97672 / RJ, julgado em: 10/12/1982; RE 100290 / RJ, julgado em: 28/06/1983; RE 109083 / RJ, julgado em 05/08/1986 e RE 113705 / MG, julgado em: 30/06/1987.

[5] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 170-171.

[6] RIPERT, Georges. A Regra Moral nas Obrigações Civis. Campinas: Bookseller, 2000, p. 336-337.

[7] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. Cit. P. 172.

[8] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 103.

[9] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 1704.

[10] Conforme julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp 994171/AL, REsp 855029/RS, REsp 986206/MS e REsp 740968/RS.

[11] REIS, Clayton. Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. P. 205-212.

[12] REIS, Clayton. Op. Cit. P. 215.

[13] IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001, p. 58-59.

[14] RIPERT, Georges. Op. Cit. P. 337.

[15] TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer:, art.; art.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 178-179.CPC461CDC84

[16] NORONHA, Fernando. Op. Cit. P. 439-440.

[17] BITTAR, Carlos Alberto. Op. Cit. P. 119-121.

[18] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. Cit. P. 171.

[19] IHERING, Rudolf. Von. Op. Cit. P.38.

[20] IHERING, Rudolf Von. Op. Cit. P. 41.

[21] RIPERT. Georges. Op. Cit. P. 339.

[22] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 317.

[23]IHERING, Rudolf. Von. Op. Cit. P. 82.

[24] Conforme os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Apelação Cível nº 1999.019706-9 e Apelação Cível nº 2005.015411-9.

[25] NORONHA. Fernando. Op. Cit. P. 441.

[26] STOCO, Rui. Op. Cit. P. 1684.

[27] SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. P. 44.

[28] BITTAR, Carlos Alberto. Op. Cit. P.121.

 

Cícero Antônio Favaretto